02/11/05

Fábula dos Dois Montes

Todos os dias, quer estivesse sol, chuva, vento, frio ou calor, todos os dias, ininterruptamente durante 57 anos, um velho homem de então 72 anos, subia ao cume do monte mais alto da sua aldeia e sentando-se sempre na mesma pedra, ficava a contemplar em total silêncio o horizonte.
Na realidade o homem concentrava a sua atenção num ponto específico: o monte mais alto da aldeia vizinha, onde um outro homem, sensivelmente da mesma idade, realizava o mesmo ritual de subir ao cimo do monte todos os dias.
Religiosamente, os dois homens passavam duas horas do dia simplesmente a olharem-se ao longe.
As duas aldeias, fartas de não obterem qualquer tipo de explicação para aquele estranho fenómeno, decidiram pôr os dois velhos frente a frente pela primeira vez.
Assim, a meio caminho entre as duas aldeias e com as respectivas populações presentes em peso, os dois homens foram postos cara a cara.
Todos aguardavam com enorme expectativa pelo desvendar do mistério.
Os dois velhos olharam-se nos olhos, fizeram uma pausa e depois subitamente desataram a chorar desalmadamente.
Sabem, apesar de todos aqueles anos, os dois homens nunca se tinham visto de perto, na verdade eles julgavam que a pessoa que estava sentada no outro monte era… uma mulher.
Sem saberem como nem porquê, os dois apaixonaram-se por aquela imagem.
Eles viveram décadas na ilusão de que “ela” era a mulher das suas vidas e que mais cedo ou mais tarde “ela” iria tomar a iniciativa de se aproximar.
Foi um dia duro aquele, para os dois velhos homens, contudo serviu para que eles aprendessem e ao mesmo tempo ensinassem uma grande lição de vida: não se pode passar uma vida inteira a fantasiar, às vezes, digo, muitas vezes, é bem melhor confirmar os dados… pelo sim, pelo não.
Desde aquele dia nunca mais ninguém foi visto sentado no cimo daqueles montes… até eu aparecer.

FIM

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