01/10/05

O Príncipe Gay

Num sítio onde o chão era todo em tons de verde, o céu laranja, as nuvens azul-bebé, onde não existia noite mas que a um determinado momento do dia o céu tornava-se azul-marinho e as nuvens lilás, nesse colorido sitio, nasceu num céu desses, um Príncipe.
Ao recém-nascido, filho primogénito do Rei Flaput e da Rainha Flámi – regentes do Reino da Flilândia, foi dado o nome de Príncipe Flá.
Passadas algumas mudanças de cor nos céus, o Rei determinou que Flutêncio Flu – um sábio do Reino, ficaria encarregue do desenvolvimento físico e intelectual do novel Príncipe.
O Príncipe Flá contava já 1.440 mudanças de céu – cerca de 4 anos dos nossos, quando a Rainha Flámi deu à luz um novo filho, o Príncipe Flé.
Tal como fizera da primeira vez, o Rei Flaput nomeou um sábio para acompanhar o crescimento do novo filho, o sábio designado foi Flarto Flop.

O céu foi mudando de cor…

O Príncipe Flá tornou-se um jovem esbelto, bem-parecido e culto, por sua vez o seu irmão, o Príncipe Flé pouco cresceu fisicamente, a bem da verdade ele não cresceu quase nada, era praticamente um anão, por isso a conselho do sábio Flop o Príncipe mais novo começou a andar com uma enorme – gigantesca, cabeleira estilo afro para combater a sua mais que evidente falta de altura.
O Príncipe Flá era alvo da inveja do irmão, não só pela sua esbelta figura, sempre impecavelmente vestido, penteado e calçado, mas também pelo sucesso que o primogénito tinha entre as raparigas, era hábito o Príncipe Flá dar longos passeios até às margens do Rio Flis – onde as águas eram cor de chá de limão, na companhia de belas jovens.
Contudo, o Príncipe Flá, aparentemente, não demonstrava qualquer tipo de interesse amoroso por nenhuma das raparigas, facto esse que se viria a tornar na última esperança do Príncipe Flé alcançar o trono em detrimento do seu irmão.
Segundo uma tradição secular o pretendente ao trono do Reino da Flilândia, no dia em que comemorar 7.560 mudanças de céu – 21 anos, terá também, nesse mesmo dia, de contrair matrimónio, caso isso não se verifique o novo Rei será o segundo elemento na linha de pretendentes ao trono.
Como essa data se aproximava rapidamente e o Príncipe Flá continuava a não dar mostras de se querer casar tão cedo, o Rei Flaput mandou chamar à sua presença o sábio Flutêncio Flu.
Insatisfeito com as desculpas e pedidos de paciência feitos pelo sábio, o Rei fez-lhe um ultimato: se o Príncipe Flá não se casasse na data prevista, Flutêncio seria decapitado.
O velho sábio contou ao Príncipe Flá a conversa que tivera com o Rei, o Príncipe, emocionado, abraçou o Flutêncio e disse-lhe que o melhor para todos era que eles revelassem finalmente a verdade, que o Príncipe era gay.

Flutêncio pediu algumas mudanças de céu ao Príncipe para pensar no assunto.

Assim, depois de muitos céus azul-marinho passados em claro a tentar encontrar uma solução para o problema, e quando faltavam somente 15 mudanças de céu para o fim do ultimato, o sábio Flutêncio Flu teve uma ideia.
Nos aposentos do Príncipe Flá, o sábio Flutêncio expôs a sua ideia: chamar, para tentar ajudar o Príncipe, o mais másculo, viril e machista de todos os homens do Reino da Flilândia, nada mais nada menos que o Flota Flex, o Ferreiro.
A ténue esperança do sábio era que Flota ensinasse o jovem Príncipe a tornar-se num verdadeiro macho e assim conquistar o coração de uma donzela.
O Príncipe Flá demonstrou alguma reticência em aceitar uma ideia que lhe parecia completamente louca mas depois deu-se conta que essa mesma ideia seria a única forma de salvar o pescoço do velho sábio, por isso aceitou.

O tempo corria contra eles…

Foi chamada, com carácter de urgência, a presença de Flota Flex perante o sábio Flutêncio Flu.
Flota, um homem com uma compleição física absolutamente fora do normal – media cerca de 2 metros distribuídos por uns 120 quilos, ouviu com atenção a proposta feita pelo sábio, Flota teria recusado imediatamente tal coisa, caso o sábio não lhe tivesse prometido ajudar a família.

O Acordo foi selado e os treinos para transformar o delicado Príncipe num D.Juan tiveram inicio…

Durante 7 longas mudanças de céu, Flota ensinou e fez de tudo para que o Príncipe Flá passasse a ter uma atitude mais máscula e viril mas nada… mesmo depois de todos os ensinamentos o Príncipe continuava com a mesma maneira de ser delicada, feminina e com um desconcertante sentido de humor que fazia o Flota rir-se descontroladamente, os dois acabaram por se tornar amigos.
O dia em que o Príncipe se teria de casar aproximava-se rapidamente, o sábio Flutêncio vendo as coisas mal paradas resolveu marcar mais uma reunião secreta para encontrar uma nova solução para o problema.
Flota, Flutêncio e o Príncipe Flá reuniram-se nos aposentos do último julgando assim estarem a salvo dos olhares e ouvidos indiscretos, porém, escondido num dos armários do Príncipe Flá estava, a ouvir tudo, o seu irmão, o Príncipe Flé.
Ignorando o facto de que estavam a ser espiados, os três debateram durante algum tempo o que fazer porém ninguém conseguia encontrar uma solução.
A dado momento da conversa Flota, revelando grande nobreza e generosidade para com o, agora seu amigo Príncipe Flá, “atirou” para cima da mesa uma ideia, uma ideia tão louca que era muito bem capaz de funcionar: já que ele não tinha conseguido transformar o Príncipe num homem viril e másculo, porque não tentar o contrário, o Príncipe tentar ensinar-lhe a ele a como se comportar como uma jovem mulher?
A finalidade da ideia era Flota passar-se por mulher só o tempo necessário para que o casamento se realizasse e assim salvar a vida de Flutêncio e ao mesmo tempo tornar o Príncipe Flá em Rei, uma vez coroado ninguém, nem mesmo o Rei Flaput, poderia fazer nada contra o Príncipe.
Agradecendo o gesto e nada tendo a perder em pelo menos tentar, o Príncipe Flá aceitou a sugestão do amigo e pouco tempo depois as aulas para transformar o enorme Flota numa delicada “donzela” tiveram início.
Foi mandado fazer um vestido de noiva com as medidas de Flota.

Preparados, ou não, o dia do casamento tinha chegado…

O Castelo estava todo enfeitado com milhares de bandeiras ostentando as cores oficias do Reino da Flilândia – laranja, branco e azul, lá dentro decorria, perante centenas de súbditos, a cerimónia matrimonial.
O Príncipe Flá e Flota – este envergando um lindo mas enorme vestido de noiva e com o rosto coberto por um véu, estavam de mãos dadas no altar perante o Bispo do Reino, os Reis olhavam, desde o trono, com um ar enternecido para o Príncipe Flá, tudo parecia correr bem, ninguém desconfiava de nada.
A certa altura o Bispo fez a tradicional pergunta: “Se alguém tiver alguma coisa a dizer contra a realização deste casamento que fale agora ou então que se cale para sempre.”, ninguém a abriu a boca.
O Bispo preparava-se para continuar com a cerimónia quando a voz de alguém se fez ouvir, era a voz do Príncipe Flé.
“Eu… eu tenho uma coisa a dizer contra este casamento!”, disse ele enquanto o sábio Flop o ajudava a sair da cadeira onde estava sentado.
O burburinho foi imediato, o Rei Flaput ordenou silêncio aos súbditos e exigiu céleres explicações ao Príncipe Flé.
O “minúsculo” Príncipe, com um sorriso maquiavélico estampado no rosto e com os olhos carregados de cinismo aproximou-se do Flota, ordenou que ele se curvasse e depois destapou-lhe o rosto.
A multidão deu um grito de admiração em uníssono quando o rosto de Flota foi revelado.
“Senhor meu Pai, Rei soberano do nosso belo Reino da Flilândia, tenho o desgosto de Vos informar que o Vosso filho primogénito é… é… Senhor, a palavra exacta ainda não foi inventada mas digo-Vos que ele é um admirador… um grande admirador de pessoas do mesmo sexo. Sim, Vossa Alteza, o Vosso filho traíu-Vos e traiu também a confiança do Vosso povo, este casamento não se pode realizar, como tal, e como está escrito a letras douradas no livro sagrado da nossa tradição, exijo aqui e agora, perante Vossa Senhoria ser coroado Rei.”, disse o Príncipe Flé.
O Rei Flaput olhou na direcção do sábio Flutêncio e perguntou-lhe se as bombásticas palavras do Príncipe Flé eram verdadeiras.
Flutêncio ajoelhou-se perante o Rei, implorou misericórdia para com o Príncipe Flá e autoproclamou-se o único culpado daquela situação.
Flota também se ajoelhou e demandou ser ele mesmo o castigado pois tinha falhado na missão de fazer o Príncipe Flá interessar-se por mulheres.
Comovido com os gestos dos amigos, o Príncipe Flá corajosamente disse que se alguém ali deveria ser castigado era ele uma vez que tinha quebrado uma tradição secular.
“Senhor meu Pai, porque não castigais os três infiéis? Escumalha como esta não é digna de pisar o mesmo chão que Vossa Senhoria.”, disse o Príncipe Flé, esfregando as suas ridiculamente pequenas mãos.
O Rei Flaput uma vez mais exigiu silêncio, ele levantou-se do trono, colocou as mãos atrás das costas e andou pensativamente de um lado para o outro, algum tempo depois ele voltou-se a sentar no trono e anunciou a sua decisão.
A maior parte das pessoas ficou estupefacta uma vez que o Rei Flaput deu mais importância ao facto do Príncipe Flá ter amigos, amigos leais que estavam dispostos a sacrificarem-se por ele, do que ao facto do Príncipe ser um... um… um grande apreciador de pessoas do mesmo sexo.
“Senhor meu Pai, de certo brincais… exijo ser coroado Rei.”, disse revoltado o Príncipe Flé, enquanto se colocava em bicos de pé para parecer mais ameaçador.
O Rei Flaput olhou-o nos olhos e perguntou-lhe onde estavam os amigos do Príncipe, aqueles que o apoiavam desinteressadamente, sem responder, o Príncipe Flé baixou a cabeça, parecendo ainda mais pequeno do que aquilo que ele já era.
“Para ser respeitado é preciso saber respeitar.”, advertiu o Rei Flaput.

O destino de cada um ficou logo ali, naquele dia, traçado:
O Príncipe Flá, apesar de não ter casado, foi coroado Rei.

Flota foi nomeado "Primeiro-ministro da Flilândia".
O sábio Flutêncio pôde finalmente gozar as suas merecidas férias e partiu para parte incerta.
O sábio Flop – responsável pelo crescimento físico e intelectual do Príncipe Flé, foi despedido, como castigo, a partir daquele dia a palavra “Flop” passou a ser sinónimo de fracasso… ainda hoje isso assim é.
O Príncipe Flé apresentou-se “voluntariamente” para exercer o cargo de “técnico oficial de limpeza alheia” – passou a limpar as casas de banho públicas do Reino.

Milhares de mudanças de céu depois o, então Rei Flá, adoptou um bebe do sexo masculino, garantindo dessa maneira a continuação da família real.

Nunca se soube ao certo se o Rei Flá encontrou ou não, o amor da sua vida, esse é um episódio ainda incerto nesta história e na verdade isso nem é importante, importante é lembrar e relembrar as sábias palavras do Rei Flaput, palavras que mais que nunca, hoje, devem ser ouvidas: “Para ser respeitado é preciso saber respeitar.”


FIM