18/08/06

Ana S. - Uma História Quase Verdadeira

Apresento-vos Ana S..
Isto de apresentar pessoas assim, por escrito, não é nada fácil, talvez se eu colocasse aqui uma fotografia da pessoa em causa, as coisas fossem mais fáceis, mas no fundo isso iria apenas facilitar o trabalho de quem lê, por isso, e como eu não gosto de privar a ninguém o prazer de pensar, as coisas vão continuar na mesma.
Já vamos à Ana S., mas primeiro convém salientar que esta história seria 100% verdadeira, caso tivesse eu conhecimento, de que ela aconteceu realmente, como tal é positivamente falso, esta é uma história quase verdadeira.

Ana S., nasceu há 55 anos, actualmente ela está divorciada, aliás tal como metade do Mundo, e vive com a sua filha Margarida de 18 anos, numa esplendorosa moradia.
Para além da filha Margarida, o único familiar ainda vivo de Ana é uma irmã, também ela curiosamente divorciada e com uma filha da mesma idade da Margarida, no entanto Catarina, assim se chama a irmã de Ana, vive num modesto apartamento.
Actualmente Ana S. é uma muito conhecida e super-conceituada jornalista, ela trabalha há 25 anos na mais mediática revista de "fofocas" do país, a famosa "Alter-Ego", graças a essa profissão, Ana teve, e ainda tem, o privilégio de poder viajar constantemente pelo Mundo inteiro, ela conhece pessoalmente meia dúzia de "celebridades", dezenas de "famosos" e centenas de "quase-famosos que querem ser celebridades".
Hoje é um dia especial para Ana, a sua filha Margarida faz 19 anos.
Ana é chamada ao gabinete do "big-boss" da empresa, o Dr. Inácio.

Quando Ana entra no gabinete vê que já lá está, sentada em frente da secretária do Dr. Inácio, a Lurdes.
A Lurdes é uma jovem jornalista-estagiária de 25 anos de idade, ela é uma rapariga com uma enorme vontade de vencer na vida, cheia de iniciativa, procurando sempre, através do seu trabalho, melhorar a cada dia… o facto de ser filha do principal accionista da “Alter-Ego” é mera coincidência.
“Ana… senta-te, já conheceste a Lurdes, não é? Então Ana, como vão as coisas, quero dizer, a tua filha, ela está bem, vai bem nos estudos?” – diz o Dr. Inácio.
É sempre assim, quando a entidade patronal nos quer dar alguma má noticia prepara sempre o terreno mostrando-se estranhamente interessados na nossa família e nos nossos problemas, esta vez não fugiu à regra.
Ana foi dispensada.
O Dr. Inácio, depois de Lurdes sair do gabinete, pediu desculpa à Ana, ele argumentou que não teve alternativa, que foram os administradores que decidiram aquilo, eles acharam que a Ana estava a ficar demasiado velha para fazer tantas viagens, e que a revista precisava de sangue novo, ou a Ana era dispensada ou era ele que ia para o olho da rua.
Ana, como mulher de classe que é, fez o óbvio, pegou no copo com whisky que estava em cima da secretária e despejou-o em cima do Dr. Inácio.

Claro, Ana ficou de rastos, no entanto ela não deixou que ninguém na Redacção se apercebesse disso, não, ela não ia dar esse prazer a algumas daquelas pessoas que há muito ansiavam por aquele momento, Ana arranjou forças para pôr a sua melhor cara “tudo bem”, e foi dizendo a quem quis ouvir (e todos estavam a ouvir, mesmo atrás das portas), que na vida haviam coisas mais importantes que um emprego, coisas como ir comprar um belo presente de aniversário para a sua filha Margarida.
No dia seguinte à festa de aniversário, Ana contou o sucedido à filha.
“… e achas que vais conseguir encontrar outra coisa para fazer? De certo que com a tua experiência, talento e conhecimentos, não te vão faltar convites, não é?” – disse a filha Margarida.
Ana S. sorriu e abraçou a filha.
Nessa mesma noite, Ana começou a entrar em contacto, via telefone, com algumas das pessoas “importantes” que ela tinha conhecido ao longo dos anos, algumas dessas pessoas deviam até a sua “fama” às entrevistas que Ana lhes fez para a revista “Alter-Ego”, o objectivo de Ana era encontrar um novo trabalho, algo que a ajudasse a pagar as elevadas prestações daquela luxuosa moradia e a manter o nível de vida que tinha tido até então.

Obviamente que Ana sabia que o “mundo do jet-set”, aquele onde ela viveu durante 25 anos, devido ao seu trabalho, era um mundo declaradamente falso, mas Ana tinha de tentar, pela filha. Durante meses os esforços dela foram em vão.
Ana acabou por perder a casa e teve de ir viver, com a filha, para casa da sua irmã Catarina, apesar de nunca lhe faltar nada, Ana não se sentia bem ali, ela precisava de continuar a tentar… os dias foram passando.
Certa madrugada, Ana acordou sobressaltada, pegou num papel e numa caneta, e escreveu o seguinte:
“Coisas que posso fazer:
1 – Assaltar um Banco
2 – Tornar-me stripper
3 – Usar a Internet
4 – Casar com um milionário”

“Devo estar louca!” – disse ela, depois de ler o que escreveu.
Ana riscou imediatamente as opções um, dois, quatro, e ficou a pensar na terceira opção.
No dia seguinte a irmã de Ana pediu-lhe um favor, pediu-lhe que escrevesse, por ela, uma carta para o colégio da filha, a solicitar uma bolsa de estudo.
Ana escreveu a tal carta e alguns dias depois a resposta do colégio foi positiva.
Este episódio deu à Ana a resposta que procurava, ela decidiu usar a sua experiência em escrever artigos para a revista “Alter-Ego”, para criar um site na Internet, a sua ideia era escrever cartas personalizadas.
As pessoas começaram a aceder ao site “cartaspersonalizadas.com”, o procedimento era muito fácil, as pessoas registavam-se, forneciam os seus dados pessoais, declaravam o motivo da carta, e por fim, pagavam pelo serviço prestado.
A coisa funcionou, passados alguns meses, Ana, ou melhor Betsy - o nome por ela usado no negócio, recebia centenas de pedidos de ajuda; algumas pessoas queriam cartas a pedir perdão por causa de uma traição amorosa, outras queriam cartas a pedir empréstimos de dinheiro ao Banco, pedidos de casamento, pedidos de divórcio, enfim os casos eram muitos.
Graças ao dinheiro que Ana recebia pelas cartas, conseguiu comprar um apartamento e foi para lá viver com a filha.
Um dia Ana recebeu um pedido de ajuda, para escrever uma carta, que a deixou estupefacta; uma pessoa queria que ela lhe escrevesse uma carta de suicídio.

Ana foi verificar os dados dessa pessoa, quando o fez, ficou ainda mais atónita, ela conhecia o individuo, quem se queria suicidar era, nem mais, nem menos, do que o seu ex-patrão, o Dr. Inácio.
Ainda em choque, Ana leu os motivos daquele macabro pedido.
“Estou desesperado.” – lia-se no formulário preenchido pelo Dr. Inácio – “A minha vida transformou-se num autêntico inferno. Desde que fui obrigado a despedir uma funcionária minha, há uns tempos atrás, desde esse maldito dia, parece que o peso do Mundo caiu sobre mim. Montaram-me uma armadilha e eu fui corrido da empresa, que eu próprio ajudei a fundar, sem dinheiro, fui abandonado pela minha mulher, e ainda por cima ela levou a nossa filha com ela… não sei o que fazer… nada faz sentido.”
Ana sentiu pena daquele homem, apesar de ele a ter despedido, Ana não conseguia evitar de sentir pena pela desgraça do Dr. Inácio.
No dia seguinte, Ana deslocou-se até à morada indicada no formulário.
O local era deprimente, e a casa onde morava o Dr. Inácio era-o ainda mais.
Ana bateu na porta, o Dr. Inácio apareceu, ele, que outrora fora um homem elegante e sempre bem vestido, era agora pouco mais que um mendigo.
Ana explicou-lhe como soube de tudo e propôs-se a ajudá-lo, na verdade o que ela lhe propôs foi uma sociedade, Ana desafiou o Dr. Inácio a voltar ao mundo empresarial, aquele que ele tão bem conhecia, e que se juntasse a ela no novo negócio das cartas personalizadas.
Apesar da hesitar, ele aceitou.
A mistura da habilidade natural do Dr. Inácio para os negócios, com o talento da Ana para escrever, começou a dar lucros, muitos lucros.
Em termos financeiros, tanto um como o outro, ficaram em excelentes condições, mas o mais importante de tudo, aquilo que realmente conta, é que eles, com o passar do tempo, voltaram a descobrir o amor, e vivem agora numa esplêndida moradia… cada um na sua, claro!

FIM