23/10/04

Adolfo, O Azarado

Como pôde o totoloto sair à pessoa mais azarada do mundo?
Isso mesmo, Adolfo achava-se o homem mais azarado de todos os tempos, pelo menos até ao dia em que... bem, é melhor eu começar pelo princípio.

Este é um breve sumário do percurso de vida de Adolfo até aos dias de hoje.

Adolfo nasceu no frio dia de 13 de Janeiro de um ano que ele não me autoriza a revelar, precisamente às 13 horas.
Filho de uma prostituta e de um pobre alcoólico, cedo Adolfo se deu conta que as coisas não iam ser nada fáceis para ele.
Adolfo costuma dizer que o azar nasceu com ele nesse mesmo dia, naquela precisa hora.
Se ao menos ele tivesse nascido um ano mais tarde, como sucedeu com o seu irmão mais novo, talvez Adolfo não se queixasse tanto do azar, se tal tivesse sucedido ele continuaria a ser o filho da mesma prostituta mas teria tido como pai um rico empresário da construção civil, que por acaso também era bêbado, mas era uma bêbado rico e isso faz toda a diferença.
A propósito, Fortunato o irmão mais novo de Adolfo é hoje em dia uma das pessoas mais ricas deste país, apesar de também ele ser bêbado.

Talvez devido aos afazeres da profissão, a mãe de Adolfo raramente encontrava tempo para estar com ele, estranhamente ela arranjava sempre muito tempo para estar com Fortunato.
Adolfo nunca percebeu o porquê daquela diferença de tratamento.
Certo dia a mãe de Adolfo foi viver com o pai de Fortunato, o rico empresário da construção civil.

Adolfo foi nessa altura entregue aos cuidados da sua tia Gisela.
Desgraçadamente ela tinha a mesma profissão da mãe de Adolfo, por isso ele foi entregue aos cuidados da D.Graciela, que por sua vez o entregou aos cuidados daquela que iria ser a “mãe” de Adolfo durante os tempos mais próximos, a D.Esmeralda.
D.Esmeralda era uma velha e simpática senhora adepta de um desporto raramente praticado por senhoras daquela idade, o boxe.
Ter servido de saco de pancada durante todo aquele tempo ajudou imenso a Adolfo quando chegou a altura de entrar para a escola, os socos dos outros miúdos nunca lhe fizeram grande mossa.

A fase da escola primária correu razoavelmente bem a Adolfo, apenas teve o pequeno azar de ser obrigado a estar sentado na mesma carteira com Luisão “O Repetente”.
Curiosamente Luisão, desde que Adolfo se sentou ao seu lado, nunca mais repetiu de classe, o que ainda é mais curioso é o facto de Luisão ter tirado sempre a mesma nota que Adolfo nos testes… acho que os socos de Luisão eram bem mais potentes que os dos outros miúdos.
Adolfo emagreceu muito nessa fase.
Adolfo ainda hoje treme quando fala de Luisão, que a propósito está quase a sair da cadeia onde esteve preso por violação… Adolfo prefere não falar sobre isso.

Chegado à adolescência, Adolfo começou a demonstrar grande interesse por raparigas.
Um dia ele conheceu Rute, uma menina muito bonita que não demonstrou ter o mais pequeno interesse em Adolfo.
Sem ter mais ninguém a quem recorrer, Adolfo foi pedir conselhos sobre como conquistar uma rapariga à D.Esmeralda.
Apesar dos conselhos dela Adolfo continuou a demonstrar grande interesse no sexo oposto.
Por sorte ou azar, Adolfo estava perdidamente apaixonado por Rute, ele estava decidido a conquistar o coração dela mas pela frente ele tinha um obstáculo, um grande obstáculo: Luisão era irmão de Rute.

O confronto entre os dois ex-colegas de carteira de escola foi duro, violento mesmo.
Infelizmente não posso aqui contar pormenores desse embate porque Adolfo apenas se lembra de ver o enorme punho de Luisão a ir na direcção da sua cara… Adolfo não se desviou a tempo.
Por amor, pena ou compaixão, o certo é que Rute se apaixonou por Adolfo, pelo menos na altura era o que parecia.
Pela primeira vez na sua vida Adolfo tinha motivos para sorrir, por azar não o pôde fazer naquela altura… porém os dentes da frente voltariam a nascer.

A fase adulta de Adolfo também não foi nada fácil.
Rute, a namorada, passava todas as noites da semana a assistir aos ensaios de uma banda de música rock “Os Traidores”, enquanto Adolfo ficava sozinho em casa, em frente do computador à procura de emprego.
Por falar em emprego, Adolfo naquele tempo mantinha o extraordinário recorde de ser despedido de três em três meses.
A razão para isso era sempre a mesma: Adolfo, por qualquer motivo, chegava todos os dias atrasado.
Decidido a acabar com aquele tremendo azar, Adolfo jurou que da próxima vez que conseguisse um emprego não iria deixar o local de trabalho durante 24 horas seguidas.
E assim foi, Adolfo dormiu a noite toda no posto de trabalho.
Quase a chorar, Adolfo contou-me que a ideia funcionou até faltar cerca de uma hora para começar a trabalhar, nessa altura ele teve de ir à casa de banho e por incrível que possa parecer, a porta trancou-se sozinha.
Adolfo foi a primeira pessoa no mundo a ser despedida por chegar atrasada ao emprego, estando já dentro do local de trabalho.
Apesar de tudo Adolfo achou que estava na altura de casar com Rute.

Quando D.Esmeralda soube dessa intenção não reagiu muito bem, contudo de nada valeram os esforços da velha mas energética senhora para que Adolfo mudasse de ideias… os dentes da frente de Adolfo não voltariam a nascer.
Uma semana antes do casamento Adolfo resolveu levar a noiva Rute a um concerto de música rock, o grupo “cabeça de cartaz” eram “Os Traidores”.
O estádio estava lotado.

Rute disse a Adolfo para ele ir entrando para dentro do estádio enquanto ela ia ao camarim do vocalista da banda desejar-lhe boa sorte para o concerto.
Adolfo contou-me que Rute e o vocalista da banda, um sujeito chamado “Ouriço”, tinham sido criados juntos e eram praticamente como dois irmãos.
Essa foi a última vez que Adolfo viu Rute.
Estranhamente esse concerto nunca se chegou a realizar, aparentemente o vocalista ter-se-á sentido mal e foi transportado de urgência para o hospital.
Adolfo também nunca mais viu o “Ouriço”… Adolfo não se casou.

Os anos foram passando, Adolfo parecia condenado a viver uma vida cheia de azares até que na semana o impossível aconteceu: Adolfo teve sorte!
Sim, e uma sorte das grandes, saiu-lhe o Totoloto.
O tipo está rico, multimilionário. Adolfo foi a única pessoa a acertar na chave correcta.
Finalmente ele vai voltar a sorrir, o dinheiro que ganhou é mais que suficiente para Adolfo comprar uma boa placa de dentes… quer dizer, isto se ele sair vivo do hospital.

Assim que Adolfo soube que tinha ganho tanto dinheiro foi à procura da sua família para os ajudar.
Adolfo descobriu que a sua mãe tinha entretanto falecido e que o seu único parente vivo era Fortunato, o seu irmão.
Finalmente passados tantos anos os dois irmãos encontraram-se, eles conversaram durante longas horas.
Adolfo ficou feliz por saber que Fortunato é bem mais rico que ele… e que é também mais atraente, que tem uma família muito bonita... e tem uma coisa que deixou Adolfo com uma ponta de inveja: uns dentes perfeitos.
O encontro correu muito bem, o pior aconteceu quando Adolfo saiu dos luxuosos mas inacabados escritórios do irmão.
Adolfo tropeçou numa casca de banana e foi bater com a cabeça na porta do elevador (que ainda não estava a funcionar correctamente por não ter elevador) que se abriu, Adolfo entrou lá para dentro… os escritórios de Fortunato ficam no sétimo andar.
Apesar do azar, Adolfo ainda respirava quando foi metido de urgência dentro da ambulância.
Aguardo a qualquer momento notícias do hospital…

…(o telefone toca)
“Tou… sim doutor, sou eu… sim, claro… eu entendo… obrigado… doutor, caso haja alguma alteração no estado de saúde do Adolfo avise-me por favor… obrigado… com licença.”
Adolfo morreu!

Pobre diabo, logo agora que as coisas pareciam que iam melhorar acontece-lhe isto.
Enfim, mas o azar de uns é a sorte de outros, todo o dinheiro que Adolfo ganhou no totoloto será herdado pelo seu único parente vivo: o irmão Fortunato, ou seja, EU.

FIM

06/10/04

Volta ao Mundo em 80 Passos

Era uma vez um rapaz.
Certo dia esse rapaz decidiu andar o mais que conseguisse de uma só vez, ele estava convencido de que se não parasse conseguiria dar a volta ao mundo.
Pelos cálculos do rapaz a viagem iria ser longa por isso meteu duas sandes na mochila.
O nome do rapaz era Volt, diminutivo para Virgílio Oliveira de Lima Teixeira.
Era Verão, a manhã estava linda, Volt achou que estava na hora de partir.
Depois de andar escassos metros, Volt encontrou o seu amigo Gurb (também é um diminutivo).

Volt explicou ao amigo a razão pela qual não queria parar de andar, Gurb achou tão interessante a ideia que resolveu acompanhar Volt.
Após andarem milhares de milímetros, algumas dúvidas começaram a aparecer na cabeça de Volt.
VOLT: Gurb, achas mesmo que vamos conseguir dar a volta ao mundo?
GURB: Sei lá, nunca fui até ao fim do mundo.
VOLT: Fim do mundo?!
GURB: Claro, se queremos dar a volta ao mundo primeiro temos de ir até ao fim dele... depois voltámos.
VOLT: Acho que tens razão, nunca tinha pensado nisso assim. Como será que é o fim do mundo?
GURB: Deve ser um sítio sem nada, assim como o deserto mas sem a areia.
VOLT: Olha que não sei, uma vez o meu pai disse-me pra eu nunca me casar porque isso iria ser o fim do mundo pra mim.
GURB: Então se for assim, toda a gente que casou já conhece o fim do mundo.
VOLT: Acho que sim... olha, vai ali a D.Vasm, ela é casada com o homem do talho prai à uns 100 anos, se alguém conhece o fim do mundo tem de ser ela, vamos lá.

Volt e Gurb aproximaram-se da D.Vasm, uma linda mulher de 45 anos de idade, porém essa exacta mulher vista através dos olhos das duas crianças transformava-se numa velha e cansada mulher.
GURB: Olá D.Vasm, a senhora quer que nós a ajudemos a levar essas sacas?
D.VASM: Não é preciso rapazes, a minha casa é já ali, mas obrigado.
VOLT: D.Vasm...
D.VASM: Sim?
VOLT: Como é o fim do mundo?
D.VASM: O fim do mundo?!
VOLT: Sim, a senhora não é casada?
D.VASM: Sou, mas o que é que isso tem haver com o fim do mundo?
GURB: É que o pai do Volt disse-lhe que as pessoas que estão casadas sabem como é o fim do mundo... e nós os dois queríamos ir até lá...
D.VASM: Querem ir até ao fim do mundo?!
GURB: Sim, mas depois voltámos.
D.VASM: Que grande confusão que por aí vai... casar não é o fim do mundo.
VOLT: Não?!
D.VASM: Claro que não, quando casamos apenas temos de fazer alguns sacrifícios, como não fazer aquilo que realmente gostamos... e temos mais... muitas mais responsabilidades e obrigações...
VOLT: Bolas, isso a mim parece-me mesmo o fim do mundo.
D.Vasm despediu-se dos rapazes e entrou em casa.
GURB: Támos tramados! Como é que vamos dar a volta ao mundo se não sabemos onde é o fim dele?

VOLT: Tenho uma ideia, já sei quem é que nos pode ajudar.
GURB: Quem?
VOLT: O Padre Zorb. Vamos ter com ele à igreja.
Os dois companheiros de viagem partiram na direcção da igreja na esperança de encontrarem uma resposta.
Gurb começava a demonstrar algum cansaço, tanto físico como psicológico, o miúdo não estava habituado a fazer tanto esforço de uma só vez.
As duas sandes que Volt trazia na mochila foram ferozmente devoradas pelos miúdos, afinal eles mereciam, já tinham conseguido andar uns 60 passos.
Volt e Gurb entraram na igreja, o Padre Zorb estava lá dentro ajoelhado a rezar.
VOLT: Olá, Padre Zorb.
P.ZORB: Olá meninos… porque é que vocês não param de andar à minha volta… é algum jogo?
GURB: Padre Zorb, precisamos da sua ajuda.
P.ZORB: Em que é que vos posso ajudar… querem confessar os vossos pecaditos, é?
VOLT: Não, é coisa séria. Precisamos que o Padre Zorb nos diga onde é que fica o fim do mundo.
P.ZORB: Louvado seja o Senhor!
GURB: É muito longe daqui?
VOLT: O Padre Zorb deve saber onde é que ele fica, nos seus sermões está sempre a falar nele… diga, é perto da escola?
GURB: É ao lado da casa do chato do Marlk?
VOLT: Já lá esteve?
O pobre do Padre Zorb ficou tão atordoado, quer pelas perguntas quer por os dois rapazes andarem sempre à sua volta, que acabou por desmaiar.

Assustados, Volt e Gurb saíram rapidamente da igreja e foram procurar alguém que pudesse ajudar o inconsciente Padre Zorb.
A primeira pessoa que os miúdos viram foi uma prostituta que andava a passear na rua, consta que na altura os rapazes ainda não sabiam exactamente o que uma prostituta tem de fazer para ganhar dinheiro.
GURB: Senhora… senhora…
PROSTITUTA: O que foi pequeno?
GURB: Precisamos da sua ajuda…
PROSTITUTA: Vocês não acham que são novos demais para terem ajudas minhas?
VOLT: A ajuda não é pra nós, é pró Padre Zorb.
PROSTITUTA: Um padre precisa dos meus serviços? Não era a primeira vez mas é sempre de uma pessoa ficar admira…
VOLT: É urgente senhora, ele está estendido no meio da igreja.
PROSTITUTA: Na igreja?! Isso é novo para mim, mas um cliente é um cliente… obrigado rapazes, eu vou dar uma ajudinha ao vosso amigo… xau.
GURB: Porque é que ela disse que o Padre Zorb era um cliente?!
VOLT: Sei lá, coisas de adultos… olha pr’ali, tas a ver o mesmo que eu?

GURB: Acho que sim.
Os dois rapazes nem queriam acreditar naquilo que estavam a ver.
Diante deles, a olhar perdidamente de um lado para o outro enquanto caminhava apressadamente, estava nem mais nem menos que o Presidente do Clube de Futebol do Porto, o mítico Costa e Pinto.
Volt e Gurb já tinham ouvido histórias fantásticas sobre ele por isso aproximaram-se cheios de emoção.
VOLT: Olá… o senhor não é o Presidente Costa e Pinto?
PRESIDENTE: É berdade, sou eu.
GURB: Uau! Podia-nos dar o seu autógrafo?
PRESIDENTE: Puder, podia mas não o bou fazer, tou muito ocupado… ando à procura do fim do mundo.
GURB: Que grande coincidência Presidente, nós também… mas pra que é que o senhor anda à procura dele?
PRESIDENTE: Bocês prometem que não dizem nada a ninguém?
VOLT: Claro que não, somos crianças, a nossa especialidade é guardar segredos.
PRESIDENTE: Bou confiar em bocês… bom, prestem atenção, eu ando à procura do fim do mundo porque…

Por motivos que se prendem com questões legais, nunca se soube ao certo porque é que o Presidente Costa e Pinto andava à procura do fim do mundo, isso é ainda hoje um mistério.
Volt e Gurb começavam a ficar realmente cansados e acima de tudo com fome… muita fome.
Desgraçadamente os cálculos que Volt tinha feito saíram furados, afinal as duas sandes que ele tinha previsto serem suficientes para dar a volta ao mundo, tinham-se revelado escassas.
Felizmente naquele tempo a comida macrobiótica ainda não tinha sido inventada e na rua, à frente dos miúdos, caminhava um alegre vendedor de cachorros quentes.

À medida que os dois infantes se aproximavam do vendedor de cachorros quentes, um enorme sorriso de satisfação começou a surgir no rosto de cada um deles, o sorriso não era porque os miúdos iriam comer qualquer coisa mas porque finalmente e após terem percorrido uma boa dezena de metros sem parar, eles tinham encontrado o tão ambicionado fim do mundo.
Perante aquilo que estava escrito no carrinho (“CACHORROS-QUENTES DO FIM DO MUNDO”), eles não tiveram dúvidas que o objectivo daquela expedição tinha sido alcançado.
Quem diria que o fim do mundo poderia estar dentro de um carrinho de cachorros quentes?
Volt e Gurb cheios de um orgulho plenamente justificado deram triunfalmente uma volta ao carrinho e foram felizes para casa.
O mais difícil para os dois amigos, até mais que encontrar o próprio fim do mundo, foi convencer as famílias e amigos de que eles tinham realmente conseguido dar a volta ao mundo em 80 passos (os 80 passos foram calculados pelo Volt, logo, grande probabilidade de erro).

FIM