25/11/09

O Vento


Margarida pegou delicadamente no frasco do seu perfume predilecto e deixou cair duas gotas dele numa folha de papel onde acabara de escrever um poema de amor destinado ao... destino.
A extrema timidez e insegurança fizeram dela uma mulher sentimentalmente só, “resta-me sonhar” – costumava dizer ela às suas amigas, já quase todas casadas e com filhos.
Seguindo um ritual que criara há algumas semanas, Margarida atirou a folha perfumada pela janela do seu quarto ficando depois a olhar para ela até a perder de vista.
Secretamente Margarida tem a esperança que o vento se encarregue de levar aquelas palavras de amor até ao seu príncipe encantado.

Não muito distante dali, Miguel olhou uma vez mais para a fria carta de despedimento depois direccionou toda a sombria tristeza para a forte corrente do rio que passava por baixo daquela velha e abandonada ponte.
No momento em que Miguel ia a desistir de tudo, um capricho do vento ou do destino, fez com que a folha escrita por Margarida fosse ter aos seus pés.
O doce aroma emanado daquele pequeno papel levou a que Miguel pegasse nele.

As palavras doces e repletas de encantamento derramadas por Margarida naquele pedaço de esperança tocaram profundamente o Miguel.
O jovem homem virou costas ao terrivel propósito que o tinha arrastado até àquele inóspito local e agarrando-se à folha como se de uma bóia de salvamento se tratasse, jurou que iria tentar encontrar o autor ou autora daqueles versos pois foram eles que lhe salvaram a vida.

Miguel apostou na sorte, talvez se caminhasse contra a força do vento encontrasse alguma espécie de pista, pensou ele.
Irónico, o mesmo vento que lhe trouxe a esperança tornou-se naquele momento num obstáculo.
A busca de Miguel resultou infrutífera, contudo ele não estava disposto a ceder facilmente, nos dias que se seguiram ele retornou à velha ponte esperando que o vento voltasse a trazer nas suas marés novos pedaços de ilusão.

Numa dessas ocasiões, Miguel avistou uma criança a brincar com um barco de papel junto à margem do rio.
Os pais da criança, sentados na relva, estavam a conversar distraidamente quando o barco se afastou, o miúdo ao tentar agarrá-lo desequilibrou-se e caiu ao rio.
Vendo aquilo, Miguel lançou-se imediatamente à água e salvou o rapaz que entretanto agarrara o barco.
O pai da criança agradeceu ao Miguel aquele gesto e deu-lhe um cartão dizendo para caso o Miguel precisasse de alguma coisa para o procurar.
Quando Miguel se despediu do miúdo, este sorriu e deu-lhe o barco de papel.
Já sozinho, Miguel começou a olhar com curiosidade para o tosco barco e notou que nele tinham sido escritas palavras, palavras que lhe pareciam familiares, apesar de o papel estar molhado Miguel não teve dúvidas, aquele era mais um dos poemas de Margarida, seria aquilo um sinal?

Inesperadamente uma sorrateira rajada de vento roubou-lhe o papel das mãos, Miguel correu atrás da pequena folha, nessa altura ele cruzou-se com uma pessoa... uma mulher, o perfume dela fez com que Miguel parasse de correr, aquele cheiro era-lhe familiar.
Durante alguns instantes ele ficou na dúvida entre tentar conversar com aquela mulher que caminhava cabisbaixa ou continuar a seguir o poema... Miguel optou pela segunda hipótese.

O tempo, curador de males e insensível na mesma dose foi passando... decorreu uma semana desde aquele episódio.
Durante esses dias Miguel não encontrou uma palavra que fosse de Margarida.
Ele achou que estava na hora de seguir em frente com a vida, encheu os pulmões de coragem e marcou uma reunião com o Dr. Aguiar, pai do miúdo que ele tinha salvo de se afogar, um emprego era agora o objectivo de Miguel.

Na reunião, o Dr. Aguiar disse que Miguel estava com sorte uma vez que tinha surgido recentemente uma inesperada vaga para trabalhar na empresa, Miguel ficou encantado com a notícia.
Amavelmente o Dr. Aguiar levou o Miguel a conhecer o escritório disponível, assim que lá entrou Miguel sentiu no ar uma fragrância conhecida, a mesma emanada das folhas escritas por Margarida, intrigado Miguel perguntou o que tinha acontecido à pessoa que trabalhava ali.
O Dr. Aguiar “fechou a cara” e com uma voz pesarosa contou que essa pessoa tinha tido um final trágico, ela suicidou-se atirando-se de uma ponte, precisamente no dia e no local onde o Dr. Aguiar e o Miguel se tinham conhecido.

Uma lança afiada pareceu trespassar o coração de Miguel naquele momento, ele ficou pálido e teve de se sentar.
A sua memória foi iluminada como que por relâmpagos de imagens difusas da mulher que ele tinha visto a dirigir-se para a ponte naquele dia.
Alarmado com o estado de Miguel, o Dr. Aguiar foi apressadamente buscar um copo com água para o acalmar.
Miguel não esperou... movido por uma inesperada e incontrolável força levantou-se, saiu daquele lugar a correr e só parou em cima da velha ponte.
A vida tem coisas curiosas, o mesmo local pode significar o começo ou o fim, a esperança ou a desistência.
Miguel ergueu o olhar para o céu, talvez tentando encontrar alguém a quem deitar as culpas, sorriu ironicamente e depois pegou na folha de papel com o último poema de Margarida que havia encontrado.

Farto de sonhar, ele tentou atirar a folha ao rio mas o vento não o permitiu, uma estranha corrente de ar elevou-a e fez com ela fosse “bailando” suavemente até perto de uma mulher que estava sentada debaixo de uma árvore a observar o Miguel.
A mulher pegou na folha e leu o poema, Miguel viu depois essa mulher a aproximar-se dele com a folha na mão.
Em cima da ponte e parecendo que o vento os estava a unir, a mulher timidamente apresentou-se, o nome dela era… Margarida, a autora daquele poema.

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